Todo santo dia me surpreendo com os requintes da vaidade, uma das mais competentes assaltantes do nosso prazer de viver. Uma força que opera de forma subterrânea, invisível para nós mesmos, mas gritante e indecorosa para quem nos assiste cair na sua armadilha sempre ardilosa.
Ser alguém diferente da nossa natureza mais autêntica ou ter algo que não cabe em nossa vida para impressionar os outros, para se sentir querido e admirado, é uma luta inglória que só tem perdedores – aquele que praticou a vaidade, e aqueles que sofreram suas consequências diretas ou indiretas.
A vaidade faz muitos estragos…
Faz mulheres cometerem exageros adulterando seus corpos, fazendo plásticas que estragam o que até mesmo já era lindo. Tudo para corresponder ao padrão de beleza que elas acham que precisam cumprir para se manterem desejadas. A atitude feminina, a singularidade da alma, o brilho do pensamento e da visão de mundo, a fibra de mulher guerreira, o jeito de ser naturalmente charmoso e sedutor não parecem mais suficientes para se sentirem encantadoras.
Faz homens e mulheres se endividarem para comprar carrões de luxo, roupas e bolsas de marca para sustentar a ilusão de terem comprado o passe para um clube seleto que sonham entrar. Gastar dinheiro para ostentar uma riqueza irreal é uma das manifestações mais clássicas e perversas da vaidade.
Faz homens, afortunados por companheiras apaixonadas e dedicadas, pularem a cerca para viverem aventuras sexuais fugazes com mulheres aparentemente exuberantes, na esperança insustentável de alimentar a virilidade e sentirem-se potentes e poderosos.
Faz filhos escolherem carreiras desconectadas da alma e a direcionarem para um destino longe da sua tão sonhada morada, na expectativa frustrante de satisfazerem seus pais erroneamente orgulhosos.
Faz alunos atrevidos desafiarem professores com tanta sabedoria e experiência para compartilhar, pelo falso prazer de crescer aos olhos dos colegas que, na sua maioria, acabam constrangidos e sentindo aquela desconfortável vergonha alheia.
Faz crescer a miopia dos gestores que os impedem de enxergar o que de verdade motiva ou preocupa o outro, para personalizar o exercício da liderança e o desenvolvimento de indivíduos potentes e saudáveis.
Faz gestores agirem com tirania, maltratando seus subordinados e sugando suas almas para satisfazer o ego insaciável da submissão pelo poder, viciando a autoestima pela depreciação do outro.
Faz líderes permanecerem no mais do mesmo dentro da caixa, por não admitirem ser desafiados por seus seguidores. A ilusão de ser o único autor das boas ideias pode atrasar a criação de mudanças inovadoras, para não dividir o reconhecimento, a fantasia da efêmera fama corporativa.
Faz gestores e colaboradores sonegarem conhecimento e informação, e impedir a colaboração entre pares, fomentando a emergência de uma cultura de melindres e de centralização de poder difícil de reverter.
Faz gestores e colaboradores se corromperem, para se drogarem com a possibilidade insana do dinheiro rápido, da ascensão social relâmpago e mentirosa.
Faz empreendedores mergulharem na perseguição obstinada e constante do cada vez mais, contaminando a empresa com distrações sem valor, sobrecarregando a organização e promovendo o desperdício de recursos.
Faz empreendedores colocarem em risco o futuro de um projeto de sucesso, simplesmente porque parece insuportável admitir que falta-lhes conhecimento e capacidade de gestão para liderar um novo ciclo de crescimento – já que foram eles que criaram e trouxeram a empresa até aqui.
A vaidade nos impede de dizer não ou de dizer uma verdade desconfortável para o outro – atitudes que representam o mais alto grau de liberdade de viver.
Temos de exercitar diariamente o ganho de consciência e a atitude de desprendimento, para nos proteger dessa vaidade, presente em tantas outras atitudes do cotidiano conjugal, familiar, social e corporativo, que nos arrasta para um buraco negro, desses que nem um singelo feixe de luz consegue escapar.
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